A ousadia e a tatugem de Anitta

Vivemos em uma sociedade em que as mulheres não podem sair sozinhas a noite para caminhar na rua. São assediadas em todos os lugares.

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Simone de Beauvoir, a grande escritora, teórica do feminismo moderno e da filosofia existencialista, certamente assombrou uma geração de homens ao se deixar fotografar nua, aos 42 anos, com uma beleza madura e monumental. Tudo aconteceu no apartamento de seu namorado, Nelson Algen, um escritor americano, em Chicago. Como fazia muito calor, ela foi tomar um banho para se refrescar deixando a visita esperando na sala, o fotógrafo free-lancer Art Shay. A porta do banheiro ficou entreaberta, e enquanto ouviu o clique da máquina fotográfica Simone não se incomodou, apenas disse: “menino levado”. A foto correu o mundo e colocou o conservadorismo de joelhos, colocaria ainda hoje.

A questão é que para a nossa sociedade incomoda uma mulher livre, dona de si e do seu corpo, inteligente como poucos, forte como ninguém. Esse tipo de mulher ameaça homens inseguros, fracos, frustrados, pequenos e perversos. A primeira reação desses pobres vermes é chamar a Deusa de prostituta, claro.

Simone era casada informalmente e tinha com o seu marido, o filósofo Jean Paul Sartre, uma relação absolutamente aberta. Os dois possuíam romances e até paixões avassaladoras extraconjugais mas se mantinham ligados por um compromisso de afeto e companheirismo. O casamento deles durou 51 anos, de 1929 até a morte de Jean Paul Sartre em 1980. Não parece que o mundo regrediu de lá pra cá?

Muitas outras mulheres na história já estiveram nessa mesma posição de Simone de Beauvoir em relação aos gestos de libertação feminina e colocando os machistas de joelhos. Marilyn Monroe, Carmem Miranda, Cleópatra, Simone Bittencourt, as rainhas Elizabeth e Vitória, Joana Darc, são muitas as mulheres que contra tudo, em condições ainda piores que as que temos hoje, conseguiram colocar o mundo aos seus pés.

Essas mulheres foram as que venceram, mas é incontável o número das mulheres que perderam essa batalha. Após a libertação de Paris, na segunda guerra mundial, milhares de mulheres foram humilhadas publicamente por ter se envolvido amorosamente com os alemães invasores. Os homens que os ajudaram não sofreram o mesmo suplício. Foram cenas dignas de Game of Thrones: cabelos raspados, algumas tinham suas roupas arrancadas e tinham que caminhar nuas, outras foram marcadas a ferro com a suástica. Muitas eram esposas de soldados mortos que se prostituíram para sobreviver.

Gerson Neto é jornalista, radialista, ambientalista e especialista em Planejamento Urbano e Ambiental.

Outro exemplo, as muitas mulheres que lutaram pela União Soviética na segunda guerra mundial. Depois de anos no campo de batalha suas famílias não as aceitavam mais como mulheres “de família”. O machismo não esteve ausente das experiências comunistas. Houve caso de uma garota, heroína de guerra, que foi expulsa de casa pela mãe para que não atrapalhasse a irmã a encontrar um bom casamento. Essas histórias estão no livro “A guerra não tem rosto de mulher”, de Svetlana Aleksiévitch.

Para fechar essa lista de exemplos da necessidade de fortalecer a mulher e baixar a bola dos homens dominadores cabra macho, vamos falar da tatuagem íntima da Anitta. O vídeo dela tatuando circulou todos os grupos de whatsapp de clubes de bolinha, sempre recheados de milhões de imagens pornográficas. Não sei como foi no grupo de vocês, mas aqui os homens ficaram chocados, chamaram de prostituta e disseram que vai acabar virando crente na esperança de que a fera seja domada. Claro, porque assusta e muito.

Vivemos em uma sociedade em que as mulheres não podem sair sozinhas a noite para caminhar na rua. São assediadas em todos os lugares: supermercados, calçadas, bares, boates, ambientes de trabalho. É uma caçada. Precisamos refletir para mudar tanto as pessoas quanto a sociedade. Tenho duas filhas e temo por elas todos os dias. Claro que isso não é só por minhas filhas ou pelas filhas do meu querido leitor. Avançar como sociedade no respeito às mulheres é o passo mais importante que temos que dar.

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