Em sessão solene na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (9), realizada em homenagem às vítimas de feminicídio, deputados reforçaram compromisso na luta para diminuir números desse tipo de crime. A deputada Silvye Alves (União-GO), que já foi vítima de violência doméstica e pediu a sessão, lembrou que o Brasil é o quinto país em número de feminicídios no mundo, sendo a maior parte das vítimas mulheres negras.
Silvye destacou que 1.410 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2022, o que equivale a uma mulher morta a cada seis horas – um crescimento de 5% em relação a 2021. Ela também ressaltou o impacto dessa violência sobre as famílias. “Muitas não conseguem mais levantar da cama, mães tomando medicamento para depressão”, lamentou.
Depoimento
Na sessão, as deputadas ouviram o depoimento de Bárbara Penna, que sobreviveu a uma tentativa de feminicídio por parte do ex-companheiro em 2013. Ela teve 40% do corpo queimado e perdeu dois filhos pequenos em incêndio provocado pelo agressor. Na ocasião, também morreu um vizinho idoso que tentou ajudar.
Na Câmara, ela destacou que continua sofrendo violência, pois tanto o Judiciário quanto a família do agressor foram omissos em garantir reparações por danos morais, físicos e psicológicos. Ela reclamou ainda da omissão do Estado em garantir a segurança física e psicológica dela, que já foi ameaçada pelo pai do agressor além de receber vídeos de ameaças do ex de dentro da cadeia.
“Sem falar no julgamento em 2019, em que ele foi considerado inocente pela morte do vizinho idoso, parcialmente culpado pela morte dos filhos e culpado pela minha tentativa de homicídio, pois em 2013 ainda não havia sido criada a tipificação de feminicídio”, disse Bárbara. “Como se não bastasse, eu fui processada pela Defensoria Pública, que me obrigou a não falar ou reclamar do júri. Ou seja, eu fui censurada até no meu direito de me expressar com indignação contra a Justiça brasileira”, criticou.
Bárbara já passou por mais 200 cirurgias reparadoras e estéticas e ainda necessita de outras, mas reclama da demora no atendimento. “Eu espero há nove anos um único procedimento. Ou seja, a mulher vítima de violência não sofre só no momento das agressões.”
Iniciativas da Câmara
Em 2015, os parlamentares aprovaram a Lei do Feminicídio, que tornou o assassinato de mulheres pela condição de ser mulher homicídio qualificado e o colocou na lista de crimes hediondos, com penas maiores.
Na Câmara estão em funcionamento três frentes parlamentares para tratar do tema: do Fortalecimento da Mulher, em Defesa da Saúde da Mulher e em Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica. Esta última foi lançada nesta terça-feira (9) e será coordenada pela deputada Silvye Alves.
Além das leis
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), 2ª secretária da Câmara, ressaltou que não bastam só leis. “A base legislativa e jurídica está determinada.” Segundo ela, o que falta para superar essa “verdadeira epidemia de violência contínua” é atuar com rigor da lei, “responsabilizando aqueles que cometem este crime, porque também é preciso dizer basta de impunidade!”.
Conforme ela, é preciso combater comportamentos machistas e de ataques às mulheres, lembrando que 33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais já sofreram violência física ou sexual por parte de parceiros ou ex-parceiros (dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Maria do Rosário pediu a aprovação pelo Senado Federal da proposta de sua autoria, já aprovada pela Câmara, que cria pensão especial para órfãos do feminicídio (PL 976/22).
Projetos de lei
Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, a deputada Lêda Borges (PSDB-GO) informou que o colegiado analisa mais de 200 projetos sobre direitos da mulher, e a maior parte trata de violência contra a mulher. Ela destacou a importância da Patrulha Maria da Penha para coibir os casos.
Presidente da ONG Por Elas, Igana de Castro manifestou apoio a dois projetos de lei: o que criminaliza a misoginia (890/23 e 872/23) e o que prevê prisão preventiva no caso de ameaça contra mulheres (PL 821/23).
Iniciativas do governo
Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Denise Motta Dau informou que o Ministério das Mulheres tem trabalhado em duas direções. “Primeiro no fortalecimento dos serviços de atendimento das mulheres em situação de violência, desde o fornecimento de equipagens para as Deams (delegacias das mulheres), patrulhas Maria da Penha, fortalecimento das coordenadorias e secretarias de políticas para as mulheres; criação de novos serviços”, disse Denise, lembrando que no último dia 8 de março (Dia da Mulher) o presidente Lula reativou o programa Mulher Viver sem Violência, com a instalação de 40 novas Casas da Mulher Brasileira.
A segunda frente de trabalho, completou a secretária, é a prevenção. Segundo ela, é muito importante, para a prevenção do feminicídio, a mudança de cultura machista, que prega o ódio às mulheres e divulga a misoginia, por exemplo, por meio das redes sociais. Ela informou que o governo está reconstruindo o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios.
Incentivo às denúncias
O deputado Yury do Paredão (PL-CE), que teve a irmã de 26 anos assassinada pelo namorado em março, ressaltou que a violência começa com um empurrão, um grito, e não se sabe como termina. Ele chamou a atenção para a importância de se denunciar esses atos e de se conscientizar, desde a escola, homens e mulheres.
A deputada Soraya Santos (PL-RJ) frisou a importância de se combater inclusive a violência psicológica, que, em suas palavras, achata a mulher. “Não adianta dizer que defendo a família, seja homem ou seja mulher, se eu fecho os olhos para a violência doméstica”, disse.
Empoderamento
Já a delegada Ana Elisa, da Delegacia Estadual de Combate à Violência contra a Mulher de Goiás, considera essencial a presença de mulheres em espaços de poder, para se combater a violência contra elas. “Como vamos transformar a sociedade se ainda não temos voz ativa?”, questionou. “No Brasil mais de 50 mil mulheres são agredidas por dia, é um estádio de futebol lotado por dia de mulheres sendo agredidas”, comparou.
Ela ressaltou que a violência ocorre dentro de casa, por motivos como não querer se relacionar com o parceiro, além das inúmeras agressões no ônibus e no trajeto para casa.
A deputada Delegada Ione (Avante-MG), por sua vez, lembrou do baixo número de delegacias de mulher no País e da importância da autonomia econômica da mulher para que ela saia do ciclo de violência.
Já a deputada Duda Salabert (PDT-MG) salientou que o Brasil há 13 anos lidera o ranking de País que mais mata travestis e transexuais no mundo, sendo que 80% desses assassinatos ocorreram com requinte de crueldade, o que expressa o ódio ao feminino.
Fonte: Agência Câmara de Notícias