A política brasileira se degradou muito nos últimos anos, a partir do início da operação lavajato e da crença de que o combate a corrupção seria a coisa mais importante para o país. Isso provocou uma virada de mesa que parecia impossível de acontecer. Eu sei que os acontecimentos recentes, a anulação dos julgamentos do ex presidente Lula e seu discurso na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo estão dando a tônica da política atual. Mas eu peço licença dos meus amigos leitores e leitoras para falar sobre isso mais tarde, ainda não terminei de digeri-los. Hoje quero falar com vocês sobre como a situação chegou a esta em que estamos relembrando os fatos desde os protestos de junho de 2013. O Brasil precisa entender o que aconteceu para que possamos aprender com isso tudo e crescer como civilização.

Em junho de 2013 os protestos começaram chamados pelos estudantes pedindo acesso livre ao sistema de transporte coletivo. O fato que gerou as mobilizações foi um aumento de 0,20 centavos na passagem de ônibus de São Paulo, mas o real pedido dos estudantes era um avanço nas políticas sociais e direitos, como já havia sido conquistado em alguns países da Europa de transformar o transporte coletivo urbano em um direito dos cidadãos. Essa iniciativa inspirou muitos outros grupos sociais que queriam também ampliação de direitos: LGBTs, mulheres, antirracistas, pessoas pedindo maior participação popular na política e muitas outras pautas difusas foram apresentadas. Entre elas também estava o combate a corrupção. Mas o que aconteceu pra essa se transformar na pauta única das manifestações a ponto de acabar colocando em cheque o governo?
Precisamos recordar que a semente do autoritarismo também esteve presente em 2013. Uma personagem não convidado tomou centralidade nos protestos, o tal de Anonimous. Jovens fantasiados e mascarados buscavam conduzir as manifestações expulsando pessoas das marchas, especialmente os que usavam camisetas ou portavam bandeiras de partidos políticos. Esse movimento protofascista depois foi incorporado às manifestações anticorrupção, mas o público mudou radicalmente, de estudantes e progressistas em busca de mais direitos para pessoas de classe média que queriam derrubar o governo e combater a corrupção. A crítica a programas sociais como o Bolsa Família, às cotas de negros nas Universidades logo tomaram a pauta das manifestações, evidenciando que a defesa de mais direitos foi substituída pela defesa de mais privilégios.
Na macropolítica dois fatos intervieram para potencializar esse sentimento popular. Com o final do processo de sediar a Copa do Mundo de 2014, que tomou a pauta do Brasil por vários anos e obrigou o Estado a fazer uma série de investimentos na construção de estádios de futebol e obras de infra-estrutura, o ciclo econômico aquecido provocado por esses gastos públicos sendo injetados na economia foi abruptamente interrompido. A política do governo Dilma mudou da água para o vinho. As obras do PAC 2 pararam e muitas nunca mais foram retomadas. A política econômica se tornou muito mais ortodoxa e o país começou a empobrecer, ainda ali em 2014.
Nesse mesmo período tivemos eleições nacionais. Essas contradições estavam latentes e o desgaste do governo de Dilma colocou as eleições nas mãos de Marina Silva, na época filiada ao PSB em uma aliança que abrigou seu partido REDE ainda não institucionalizado. Marina era a figura política que melhor aglutinava os sentimentos das manifestações de 2013 por direitos e também reunia em torno de si os pastores das igrejas evangélicas que viam nela uma pessoa íntegra, convictamente convertida para a sua crença e sua chance de ter um igual na presidência da república. Mas Marina foi muito atacada na campanha de forma desrespeitosa, preconceituosa, absurda, covarde e mentirosa. Marina foi acusada por ser mulher, de ser feia, de ter usado o sistema de saúde do Senado para tratar uma antiga contaminação por mercúrio adquirida quando criança no Seringal, mas a maior acusação foi por ela ser evangélica. Não foi só ela que acusou o golpe, o rancor se espalhou por muitos setores da sociedade e especialmente entre os evangélicos, que não perdoaram o PT pelo preconceito religioso que assumiram ser contra si. Vocês conseguem ver como isso tudo vai semeando o terreno para o aparecimento de um presidente absurdo e caricato como Bolsonaro?

No segundo turno, com Marina Silva vencida, a polarização entre direita e esquerda se impõe e o sentimento daquela classe média que vai tomar as ruas querendo impeachment de uma presidente que havia acabado de ser eleita era de que a disputa era entre o PT e o Brasil. De lá pra cá figuras horríveis da vida política brasileira ajudaram a degenerar cada dia mais a política. Aécio Neves, Eduardo Cunha, o próprio Jair Bolsonaro e seus filhos, Marcelo Crivela, Michel Temer e boa parte daqueles parlamentares do centrão, aproveitaram a oportunidade política para fazer um linchamento e tomar o poder.
Entre eles estava, evidente, o Juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dalagnol, que perceberam que havia espaço pra um ativismo jurídico para caçar Lula e coloca-lo na cadeia. Aqui cabe perguntar se realmente havia corrupção no governo federal e na Petrobrás. Parece evidente que havia. A corrupção é um mal a ser combatido e impossível de ser totalmente extirpado, principalmente em uma sociedade como a nossa, onde as pessoas furam fila da vacina, furam fila de banco, roubam frutas de feirantes. Na época havia uma montanha mentiras inventadas para transformar o Lula em um chefão da máfia. O filho do Lula era dono da Friboi, a filha da Dilma dona da Havan, o incontável número de fazendas que era inventado que eram do Lula em todas as cidades do país e repetida por muitas pessoas, por maldade ou por engano, mas com o mesmo efeito perverso que toda mentira tem. Quem conhece os processos conduzidos por Sergio Moro sabe que ele condenou sem provas. E agora a verdade está aparecendo nos julgamentos do STF.
Na economia Dilma fez o contrário do que prometera nas eleições. Assumiu o mesmo programa de Marina que muito criticou, baseado no corte de despesas para garantir superávit primário, câmbio flutuante do dólar e inflação controlada por meio de aumento de juros, condenando a economia a estagnação. Os investimentos públicos foram paralisados junto com as obras do PAC. Ali começou uma paralisação da economia brasileira que dura até hoje e que nos fez cair no ranking das maiores economias do mundo do sexto lugar para o décimo segundo, sendo que até o final do ano estaremos no décimo quarto lugar.

Mas eu prometi deixar essa parte pra outro dia e vou parar neste ponto: A lavajato ajudou a colocar gasolina nessa fogueira de contradições e insatisfações, nessa guerra entre as “pessoas de bem” do Brasil e o PT. Bolsonaro conseguiu se colocar como o representante desse lado antipetista e por isso ganhou as eleições, ajudado pela facada que o salvou de ter que se confrontar com outros candidatos e abrir a boca pra falar suas besteiras que fatalmente o teriam derrotado. Ele também foi ajudado por uma onda internacional de crescimento das ultra-direitas e formou um grupo de países com política influenciada pela cartilha do mestre fascista Steve Bannon, que já havia vencido com o Brexit na Inglaterra, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e feito a direita autoritária ter resultados importantes em outros países mesmo sem vencer o poder executivo, como a Áustria, a Itália e muitos outros. Mas e o futuro? O que vai ser? Vamos voltar a isso mais tarde. Mas adianto que o Brasil precisa voltar a acalentar aquele sonho de mais direitos e de avançar no seu amadurecimento civilizatório.