A gestão da saúde pública em Goiás foi o tema mais recorrente entre as audiências públicas promovidas pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) em 2024. Foram 13 audiências com esse tema, de um total de 25 relativas à saúde e mais de 60 realizadas do início do ano até o início de dezembro.
O tópico foi abordado de perspectivas diversas. Estiveram em discussão, por exemplo, a gestão das Organizações sociais de saúde (OSSs) e o atraso de acertos trabalhistas, a qualidade do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Goiânia, a atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) em Goiás e o Ipasgo Saúde, que atende os servidores públicos goianos.
Organizações foram foco da maioria das audiências
Nenhum tema gerou tanto debate quanto a gestão das OSSs, que foi discutido inicialmente em março e esteve em pauta sobretudo a partir do meio do ano. Em 21 de março, houve audiência promovida por Mauro Rubem (PT) com o tema “Saúde em Goiás: Balanço das Organizações Sociais de Saúde (OSSs) e participantes como a procuradora de Justiça do Ministério do Trabalho goiano, Milena Cristina Costa, e a presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde do Estado de Goiás, Luzinéia Vieira.
Cristina Costa lembrou que a permissão jurídica para atuação dessas organizações na área da saúde já existe há nove anos, mas, criticou, teria se desviado da ambição inicial: “Esse modelo não está sendo aplicado em sua integralidade e, em consequência, estamos vendo o desperdício do orçamento público”.
No dia 21 de junho, Rubem reuniu representantes sindicais e das OSSs para debater o atraso em acertos trabalhistas, com foco no Hospital de Urgências de Goiás (Hugo), localizado em Goiânia. Talles Barreto (UB), líder do Governo no Legislativo estadual, também participou da audiência. As queixas mais recorrentes dos trabalhadores foram a falta de diálogo, o atraso de salários, a demora no acerto trabalhista e a demissão de grávidas.
Na semana seguinte, a gestão terceirizada de hospitais, novamente com enfoque no Hugo, foi tema de nova audiência pública promovida por Rubem, também responsável por outra audiência para debater a gestão das OSS, em 3 de julho. Além de profissionais e sindicalistas ligados ao setor, esse encontro teve a participação do deputado Paulo Cezar Martins (PL).
No dia seguinte, 4 de julho, o tema seguiu em pauta, agora em audiência pública realizada por iniciativa de Gustavo Sebba (PSDB), que é médico e preside a Comissão de Saúde. Talles Barreto, Mauro Rubem e Rosângela Rezende (Agir) também participaram dessa audiência. Nela, uma das autoridades presentes à mesa, a presidente da Federação dos Hospitais, Laboratórios, Clínicas de Imagem e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado de Goiás (Fehoesg), Christiane Maria do Valle Santos, enfatizou que as OSS, apesar de receberem fundos regularmente, estavam há um mês com pagamentos atrasados.
Talles Barreto, depois de também destacar a regularidade dos repasses do Executivo goiano para as organizações, aventou que a raiz do problema poderia estar na má gestão ou na falta de comunicação eficiente entre as partes. Mauro Rubem disse considerar o modelo de gestão por OSS “caro” e “falido”, e Rosângela Rezende (Agir) disse constatar, no interior, o acesso da população à saúde comprometido por “falta de experiência e honestidade” de algumas OSS.
No dia 8 de julho, haveria audiência de Mauro Rubem com sindicalistas para tratar de situação trabalhista no Hugo e Heapa, o Hospital Estadual de Aparecida de Goiânia. A gestão pública da saúde foi tratada, de modo mais panorâmico, na audiência “O fortalecimento do SUS – um direito da população de Goiânia e de Goiás”, promovida por Bia de Lima um pouco mais de um mês depois, em 12 de agosto.
Em análise do ano, deputados divergem sobre situação das OSSs
“Na condição de líder do Governo”, afirma Talles Barreto, fazendo, à Agência Assembleia de Notícias, um apanhado da gestão pública em Goiás este ano: “busquei viabilizar soluções e garantir o diálogo entre os envolvidos. Apesar das dificuldades iniciais, o Governo apresentou avanços em propostas legislativas para modernizar e aprimorar a gestão dos contratos com OSS, como maior controle e transparência. Buscamos uma melhor prestação de serviços com maior fiscalização, além de assegurar a continuidade dos serviços essenciais, que é reflexo do comprometimento com a saúde pública no Estado”.
Também em entrevista à agência, Gustavo Sebba mantém-se crítico em relação às OSSs. “A questão é que nós estamos tendo atraso de pagamento de médicos, de colaboradores de hospitais estaduais, como cozinheiras e equipe de faxina e até de prestadores de serviço, como laboratórios. O Estado simplesmente não paga, alega que a dívida é da OSS, e a OSS alega que o Estado não pagou”, afirma, complementando: “O Estado fala que pagou, mas não apresenta nenhum tipo de comprovação de que quitou esses débitos”.
Isso motivou Sebba a solicitar, como presidente da Comissão de Saúde, auditoria no Tribunal de Contas do Estado (TCE-GO). Ele afirma que continuará “nessa briga para esclarecer se o Estado é solidário ou não a esse débito, porque já existem inúmeras ações trabalhistas de trabalhadores que estão há sete, quase oito meses, sem receber”.
“Até defendo o modelo de gestão de organizações sociais (OSS)”, pondera. “[Mas] eu sou crítico de um Estado ineficiente na fiscalização, como é o nosso, que não fiscaliza, que faz contratos mal feitos, superfaturados, e de OSS que não tem idoneidade”. O deputado prossegue: “Hoje, as pessoas não estão conseguindo marcar consultas, não estão sendo atendidas direito, e ainda há as OSSs que estão dando calote (…). Tantas denúncias chegam até nós que nos levam a crer que algo está errado. Existe um claro favorecimento a OSSs que não têm o mínimo de condição de fazer gestão, que não têm a documentação necessária”.
Mauro Rubem também é enfático. Para ele, trata-se de uma forma de gerir a saúde “extremamente ruim, predatória e que dá o calote, seja em trabalhadores, seja em prestadores de serviço. As audiências públicas mostraram tudo isso, inclusive o que a gente está vendo, o sofrimento dos trabalhadores que foram demitidos em Goiânia, São Luís dos Montes Belos, Itumbiara, Jaraguá e na cidade de Goiás”.
“A rede privada de prestação de serviço que foi contratada pelas OSSs”, prossegue o deputado, “tem um prejuízo nesses últimos três anos de aproximadamente R$ 150 milhões”. Para ele, “é um modelo que não tem condições de ser de fato fiscalizado”, devendo ser substituído “pela gestão direta, com maior controle do poder público”.
Ainda sobre a gestão estadual da saúde em 2024, Talles Barreto ressalta que “o Governo também priorizou a ampliação de serviços especializados e iniciativas voltadas à regionalização da saúde, fortalecendo o atendimento em regiões mais afastadas. Essas ações reforçam o compromisso com a qualidade e o acesso universal aos serviços de saúde, colocando Goiás como referência em gestão pública na área”.
A polêmica relativa às OSSs segue com desdobramentos neste final de ano. Em sessão extraordinária do dia 17 de dezembro, foi acertado convite ao secretário de Estado da Saúde, Rasivel dos Reis Santos Júnior, para vir ao Legislativo estadual falar sobre as organizações. É esperado que Rasivel se reúna com os deputados em janeiro.
Saúde de Goiânia também motivou debates
Outro ponto crucial da gestão da saúde, a qualidade do Samu na Capital, foi debatida em duas oportunidades – em uma audiência pública no dia 8 de fevereiro e outra em 23 de julho, ambas convocadas por Mauro Rubem. “Ambulâncias novas já foram destinadas para Goiânia e a Prefeitura não tomou providências necessárias para o recebimento”, afirmou o parlamentar na audiência de julho. “Tivemos momentos de colapso, com nenhuma ambulância na rua, e agora os atendimentos contam com apenas seis viaturas em circulação. Estamos falando de um serviço fundamental, padronizado há vinte anos no Brasil. Precisamos estudar bem o caso de Goiânia, porque a situação aqui repercute no Estado inteiro”, complementou.
Falando sobre o tema para a Agência Assembleia de Notícias, o deputado diz que a Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia “conseguiu a proeza de fechar o Samu por incompetência de gestão”, havendo caso de ambulância que “custou R$ 700 mil de reforma e não funcionou o ano inteiro”. Também, lembra, houve problema de falta de funcionários e afastamento do secretário da Saúde, “que chegou a ser preso e está respondendo por processos bem graves”.
A saúde no âmbito da Capital também esteve em debate em janeiro, com audiência pública de Bia de Lima intitulada “Por um Imas de qualidade”, em referência ao Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores da Prefeitura de Goiânia.
Outra audiência proposta pela deputada debateu a saúde mental dos trabalhadores da educação como efeito da sobrecarga de trabalho, da estagnação de salários e da violência sofrida. Presente no encontro, o diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório Nacional da Violência contra Educadores, Fernando Penna, especificou que essa violência “inclui não apenas agressões físicas, mas também microviolências cotidianas, violência institucional e simbólica”.
Houve ainda duas audiências públicas que puseram em discussão o Ipasgo Saúde, uma em 13 de agosto, de Bia de Lima, e outra em 3 de setembro, convocada por Talles Barreto.
Audiências sobre saúde devem continuar frequentes em 2025
Gustavo Sebba acredita que a saúde continuará sendo principal tema de debate das audiências públicas em 2025. “É um tema que não escolhe dia para aparecer, nem hora, nem classe social. Precisamos atender tanto a saúde pública quanto a privada com zelo, respeito e responsabilidade. Nosso papel como deputados é fiscalizar, além de legislar”, diz. “Vamos continuar cobrando o Executivo para garantir uma saúde de qualidade para todos”.
Talles Barreto sublinha a importância das audiências públicas para os goianos. Esses eventos “têm sido um espaço importante para ouvir diferentes setores da sociedade e propor melhorias. No caso das OSSs, ajudaram a embasar projetos que incluem critérios mais rigorosos de contratação e monitoramento e encontrar soluções de imbróglios”.
O líder do Governo menciona, como resultado prático das audiências, “a inclusão de parâmetros mais transparentes para desqualificação de entidades que não cumprem com os contratos, como foi previsto em propostas legislativas deste ano.” Além disso, conclui, “o diálogo resultou na ampliação da participação de novas organizações nos chamamentos públicos, o que contribui para uma gestão mais inclusiva”.
Agência Assembleia de Notícias